O Terceiro Milagre No Evangelho de João



As festas em Jerusalém: - Pela segunda vez Jesus sobe a Jerusalém, mas desta vez não vai ao templo, mas sim encontrar-se com o povo marginalizado, ou seja, as ovelhas sem pastor. Cura um paralítico. A figura do enfermo representa a massa dos oprimidos, o povo excluído da festa. A festa da Páscoa era também chamada a “festa dos judeus”, como se pode ver na primeira vez que Jesus foi a Jerusalém: - “Estando próxima a Páscoa dos judeus, Jesus subiu a Jerusalém” (Jo 2,13). Aqui no contexto da cura deste paralítico, não se menciona a Páscoa, mas somente a festa dos judeus: - “Algum tempo depois era festa dos judeus e Jesus subiu a Jerusalém” (Jo 5,1). Deduz-se, portanto, que tal festa, seja a da Páscoa. Outras três festas são citadas no evangelho de João: - a festa da Páscoa (Jo 6,4); - a festa das Tendas (Jo 7,2); - a festa da Dedicação (Jo 10,22). O ponto de partida deste milagre é a festa. – “Jesus subiu a Jerusalém”. Era necessário subir muito para chegar ao alto da montanha, onde está localizada a cidade.
A piscina de Betesda: - O episódio começa pela descrição de um ambiente. João alude aqui alguns temas que vão aparecer depois em outras passagens do seu evangelho, especialmente o discurso sobre o bom pastor e as ovelhas (Jo 10). A chamada “Porta das Ovelhas”, bem conhecida de todos em Jerusalém, era por onde entravam os rebanhos na capital e que eram sacrificados no templo. Há uma referência às ovelhas que Jesus expulsou do templo na primeira vez que foi a Jerusalém: - “No templo, encontrou os vendedores de bois, de ovelhas e de pombas e os cambistas em suas bancas” (Jo 2,14). A piscina era dividida ao meio com cinco pórticos, onde afluía grande número de doentes, cegos, coxos e paralíticos que ficavam esperando o movimento da água para entrar dentro. O povo atribuía a esta água um poder terapêutico sobrenatural de cura, com a intervenção de um anjo. Pela resposta do doente se deduz que a água era pouca e só usufruía dela quem entrasse primeiro na piscina. Os cinco pórticos correspondem também a uma realidade histórica. Os pórticos do templo eram o lugar do ensino oficial da Lei de Moisés, que tornava Jerusalém a cidadela do saber teológico-jurídico do judaísmo. Os cinco pórticos são símbolos dos cinco livros da Lei: o Pentateuco.
A multidão enferma: - Quem é o doente? – É um homem paralítico. Não sabemos seu nome, nem sua identidade e muito menos sua nacionalidade, pois ao redor desta piscina reuniam-se pessoas de todas as regiões circunvizinhas. Não tem iniciativa e nem forças para entrar na piscina. Está impedido fisicamente e não é muito desembaraçado mentalmente. Era um inválido que mal podia movimentar-se e que, como aparecerá em seguida, estava prostrado em cama ou maca. Este homem representa a multidão enferma e faminta, a mesma que Jesus terá compaixão e fará a multiplicação de pães e peixes no milagre seguinte (Jo 6,1-15). A cura que Jesus fará não se dirige somente a um indivíduo, mas é sinal de libertação da multidão de marginalizados, miseráveis, submetidos a uma Lei morta e sem vida. Assim, se explica a violenta reação dos dirigentes dos judeus, que no final do relato, pensam em matar Jesus imediatamente, porque o milagre foi realizado no dia de sábado, o que era contrário à Lei.
A iniciativa de Jesus: - João diz que este homem já estava doente há 38 anos. Não sabemos sua idade. Mas o número 38 deve-se interpretar em sua relação com quarenta. Quarenta anos equivaliam a uma geração. No Antigo testamente tal número era usado para indicar um período longo e homogêneo, por exemplo, o de um reinado, ou de um tempo de paz. Também o povo de Deus caminhou quarenta anos pelo deserto, onde morreu toda a geração que saiu do Egito, sem poder chegar à terra prometida. Neste sentido deduz-se que esta doença acompanhava a vida toda deste homem. Está, portanto, no final de sua vida, e é neste momento que Jesus se aproxima dele. A duração dos 38 anos encontra-se em Dt 2,14, indicando o tempo que durou a caminhada do povo eleito, até que toda aquela geração foi extinta da terra. Assim, os 38 anos de enfermidade indicam que o povo está prestes a morrer, assim como estava este paralítico. A situação desta multidão é de quem vai morrer sem ter saído “do deserto”, sem ter conhecida a felicidade que Deus prometia, na pessoa de Jesus. Este paralítico inválido, por sua vez, representa o povo submetido ao pecado e atrofiado em sua miséria. Na realidade, Jerusalém era, já na época de Jesus, um centro de mendigos, que, de mais a mais, se concentrava em torno do templo. Sem mais explicação, encontra-se Jesus no meio da multidão dos enfermos. A multidão que aí está é o retrato de uma cidade marcada pela exclusão social.
Jesus faz a pergunta da vida: - Jesus contempla toda esta realidade presente na capital e eis que fixa seu olhar neste homem paralítico. No meio da multidão se detêm nele e não nos demais. Os sinais da longa enfermidade são visíveis; Jesus dá-se conta de quão avançado está o mal. Então, faz uma pergunta a este homem sem forças e incapaz de movimento e ação. É a chamada pergunta da vida: - “Queres ficar curado?” – A pergunta de Jesus abarca bem mais do que a saúde corporal. Ele quer resgatar a dignidade e a integração interior deste paralítico. Jesus se torna para este homem a única salvação, pois ele não tem família, não tem amigos e não tem ninguém que o ajude. Está no abandono total. Vive na solidão. Ninguém se interessa por ele. Não tem mais nenhuma perspectiva de vida. A desgraça tomou conta. Jesus quer que este homem passe do desânimo para a esperança e assim possa de novo resgatar o sentido de viver.
As resistências deste paralítico: - Mesmo depois que Jesus oferece a possibilidade da cura, este homem fica colocando várias resistências e empecilhos. Não percebe a graça de Deus passando pela sua vida. Prefere a desgraça ao invés da recuperação; prefere a miséria dos seus trapos a recuperar sua dignidade humana; prefere ficar deitado e acomodado a levantar-se e enfrentar os desafios da vida. Não se ajudava para sair desta situação. Esperava tudo pelos outros. Não fazia o mínimo esforço. Uma espécie de inércia o deixava assim. Quem perde a esperança perde tudo. A agitação da água na piscina, portanto, representa a ilusão do povo oprimido de encontrar remédio em agitações populares. É a armadilha de libertação que nunca chega a realizar-se. No tempo de Jesus eram freqüentes as vãs revoltas messiânicas que surgiam na multidão desamparada, sem resultado algum. Colocavam a esperança na força da violência.
A força de levantar-se novamente: - Humanamente falando, este homem não tinha mais força para levantar-se e, o pior de tudo, não queria levantar-se, pois não fazia o mínimo esforço possível. A acomodação degenerativa era total. Apresenta a Jesus todas as impossibilidades. Mas Jesus não se deixa vencer pelas inconsistências presentes. Oferece gratuitamente a cura em três dimensões: - “Levanta-te, toma a tua cama e põe-te a andar”. Jesus lhe dá a saúde e com ela a capacidade de agir por si mesmo, sem depender dos outros. O paralítico pode agora dispor da maca que o mantinha imóvel e pode caminhar aonde quiser. É a palavra de Jesus que cura, dando força e vida nova. Jesus não o levanta, mas capacita-o para que ele mesmo se levante e caminhe. O paralítico estava subjugado e privado da iniciativa própria, agora pode dispor de si mesmo, com plena liberdade para caminhar. De homem inutilizado Jesus o faz um homem livre. É como morto, agora ressuscitado. É uma nova oportunidade de vida.
A cura que gera controvérsia: - Jesus não chama este homem curado para ser “seu discípulo”, mas o deixa livre. Simplesmente o fez homem. Agora libertado das amarras, deve encontrar seu próprio caminho. Libertou-se de um passado que o tornava cada dia mais infeliz. O evangelho de João não diz que ele tenha acreditado. Aliás, Jesus, nem sequer se deu a conhecer a ele. A violação do descanso será a pedra de escândalo para os dirigentes judeus. Jesus não levanta a questão do dia festivo nem pretende fazer polêmica contra eles. Simplesmente usa de sua liberdade e continua sua missão. Para Jesus o que conta é o bem estar do ser humano em qualquer circunstância. Antes ninguém ligava para este infeliz miserável. Se tivesse morrido ninguém ia se importar com ele. Aliás, nem iam perceber sua falta, pois vivia no anonimato, no meio da miséria. Agora, ele se torna o centro das atenções e é percebido, primeiramente, por estar carregando seu leito em dia de sábado. Os dirigentes judeus não estão preocupados com ele e nem com a vida humana, mas com a Lei que mata e escraviza.
A segunda aproximação de Jesus: - Este homem, agora curado, não tem o senso de gratidão no coração. Não sabe agradecer. Não foi educado para as leis do amor. Agora, em Jesus, começa a brilhar o amor de Deus na vida dele. Jesus tinha escapulido. Não busca popularidade, mas somente pretende dar vida plena. Devolve a este paralítico sua força, sem exigir nada dele. O amor é dom gratuito. E pela segunda vez Jesus toma a iniciativa, quando o encontra novamente no templo, agora, porém, curado. Pede a ele para não pecar mais. Para a mentalidade da época, a doença estava associada ao pecado. As trevas não reconhecem a luz.