Por que é preciso debater a liberação da maconha?


Não sejamos ingênuos: liberar a maconha aumentaria seu consumo e o número de dependentes. Com isso, cresceriam os casos de psicoses, doenças cardíacas, esquizofrenia e de todos os males associados a ela, considerada a mais leve das drogas ilegais. Haveria custos enormes para a saúde pública e um desafio gigantesco para as autoridades que vigiam o uso de substâncias reguladas. Por isso, proibir sempre pareceu a posição mais sensata.




Ainda assim, na semana passada, um grupo expressivo de políticos e intelectuais – entre eles os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso, do Brasil, César Gavíria, da Colômbia, e Ernesto Zedillo, do México – lançou um manifesto propondo à conferência sobre drogas das Nações Unidas que legalize, na reunião prevista para março em Viena, o consumo pessoal da maconha.



O principal argumento para isso, de acordo com a proposta, é o fracasso da atual política de combate às drogas, apoiada na repressão e na ação policial contra o tráfico. É papel da polícia reprimir as atividades ilegais e fazer cumprir a lei. Mas, apesar de ações policiais como a que desbaratou duas quadrilhas de traficantes na semana passada, o consumo de drogas ilegais, de acordo com os dados divulgados pela própria ONU, tem crescido no mundo todo, e seu preço tem caído – sintomas claros de que a repressão não tem surtido o efeito desejado.



O narcotráfico financia atividades criminosas e contribui para aumentar a violência urbana, sem que o Estado possa cobrar taxas, nem punir com eficácia uma atividade que só faz crescer. Diante disso, argumentam os defensores da liberação das drogas, os custos sociais seriam sensivelmente menores se as drogas fossem tratadas sobretudo como uma questão de saúde pública, não como um caso de polícia.



Esse é o tema da reportagem da página 82, escrita pela diretora da sucursal do Rio de Janeiro, Ruth de Aquino. O arrazoado dos defensores da legalização das drogas está obviamente sujeito a ataques. Para começar, é extremamente difícil garantir que a liberação de drogas num único país não o torne refúgio para os traficantes e criminosos combatidos nos demais – algo parecido ocorreu com as experiências na Holanda e na Suíça.



A liberação pura e simples, sem levar em conta os diferentes tipos de droga, também pode gerar problemas sociais imprevisíveis com o aumento do uso. Mas a experiência com substâncias legais, como o álcool e o tabaco, sugere que a proibição pode não ser a melhor estratégia para reduzir o consumo. Basta lembrar o fracasso da Lei Seca nos Estados Unidos na década de 20 e o sucesso das campanhas e políticas recentes de saúde pública para conter o cigarro. Pelo menos no caso de drogas mais leves e com menor potencial de gerar dependência, como a maconha, a legalização parece fazer sentido, desde que seja feita em todo o mundo e submetida a rigorosas normas regulatórias, com o apoio de um organismo multilateral, como a ONU.